O Medo

Ailhiet Wang
Você está terminando de tomar seu desjejum em sua residência em Ansonne, quando alguém bate à porta.

- Estou esperando visitas?

Tento me lembrar enquanto, com minha adaga, pego outra metade da maçã que mastigava e me dirijo até a porta.

Eu poderia usar magia para destrancar a porta sem me expor à proximidade de algum estranho, mas seria uma amostra fútil e paranoica de meu poder. Sei que esta cidade tornou-se um antro de bandoleiros nas ultimas décadas, mas não é para tanto.

Destranco, abro a porta, me apoio num lado do batente e observo meu visitante, até que faça algo ou se anuncie. Enquanto isso dou uma mordida na metade de maçã cravada em minha adaga.

- Pois não?

É um senhor distinto e com boa postura. Cabelos brancos, olhos vivos. Você reconhece o olhar, bem como a voz quando ele fala:
-Bom dia, Ailhiet.

(Sim, é teu chefe)

As coisas pareciam de fato - sossegadas demais; por isso, nada deveria surpreender-me. Mas como não estarrecer-me diante de tão aterradora presença? Se ao reconhecer seus olhos, meu olhar já nem mesmo se lhes cruza? Se o que enxergo neles vai muito além da mera, familiar, autoridade paterna? Sua voz gélida, que apenas confirma sua comparência, paralisa cada parte do meu corpo e me faz balbuciar como uma garotinha. Até que, passado o susto, consigo dizer qualquer coisa.

- Perdoe-me os modos, meu senhor!

Digo enquanto, ao me lembrar como agir, guardo minha adaga e me curvo o mais respeitosamente, como não faria a um rei.

- O que o traz a esta cidade, tão indigna de ti?

Pergunto humildemente, ainda com um tom de surpresa.

Com um certo desdém ele fala:
-Nenhuma cidade é digna de mim. Mas estou aqui com mais uma missão para ti.

Então com um gesto ele faz uma maçã voar até a mão dele. E ele dá uma dentada na maçã. Uma cadeira desliza até ele e ele se senta elegantemente.

- É a primeira vez que vens pessoalmente trazer-me uma missão. Confesso meu embaraço por estar despreparada para receber-te, mas não estou menos lisonjeada... e curiosa. Do que se trata, meu senhor?

Indago ao meu mestre sem me mover um único centímetro. Mais por medo, do que por qualquer outro motivo.

Ele responde com um ar meio Blasé, enquanto continua a comer a maçã:
-Hmmm... Nada demais. Eu só estou com poucos mensageiros disponíveis no momento.

E fala meio pra dentro, sem se dirigir a Ailhiet:
-Vocês humanos são tão frágeis.

E continua, enquanto se levanta e olha para a janela:
-E passear de vez em quando faz bem não? Conhecer a terra que pretendo governar.

E, por fim, se vira para Ailhiet:
Enfim. Uma jóia foi roubada de um de meus domínios.Roubada por malditos elfos do mar que não sabem direito o que têm em mãos. E eu quero que você a recupere pra mim.

Durante a divagação de meu mestre, tudo o que faço é assentir. Por fim, ele revela minha próxima missão.

- Considere feito, meu senhor! Mas o que pode me dizer sobre essa joia e sobre esses elfos do mar?

Penso com meus botões que eles não devem ser lá muito inteligentes, para roubarem de um... cof cof.

A seguir faço algumas perguntas necessárias, desde que não sejam redundantes - que as respostas já não tenham sido dadas. Por exemplo, pergunto se a joia tem um nome, qual sua aparência, se tem algum poder mágico, de onde foi roubada, e também, se meu mestre ou alguém presenciou o roubo, se foi um ladrão ou se foram vários, se conhece a(s) identidade(s) do(s) ladrão(ões), onde ele(s) vive(m), para onde pode(m) ter levado a joia, que objetivo pode(m) ter com ela, e por ultimo, se tem algo mais que eu precise saber. Me esforço bastante para não ser insolente.

Como todos os encontros com meu mestre, este é carregado de tensão e quero mais do que tudo que termine. Mas não posso deixar, tampouco, que me escape qualquer pista importante sobre a missão. Afinal, falhar pode não fazer bem para a minha saúde.

Ele faz um gesto e uma imagem da jóia vai se formando à medida em que ele vai descrevendo a mesma:
-A jóia, minha cara, parece um enorme rubi, vermelho como sangue, inserido em um cetro dourado, que fica sempre na vertical e do qual escorre sangue continuamente. Ao ficar tempo suficiente em um lugar, o artefato assumirá a forma de uma fonte de sangue, com o cetro em seu centro. Ele havia sido deixado, por mim, aos cuidados de um grupo de orcs, que tomavam conta do artefato, em uma caverna em uma ilha, que ninguém mais conhece, ao Sul de Araterre, mas os elfos os atacaram e levaram o artefato consigo.

-O artefato deixa todos os que passam algum tempo com ele mais fortes e saudáveis, mas corrompe a natureza dos que ficam próximos a ele por muito tempo. Ainda não sei muito sobre os elfos que roubaram o artefato, mas soube que animais ao sudoeste de Araterre estão começando a apresentar uma agressividade acima do normal.

-Como abordar o assunto tu decides, cara Iczoxóchitl, provavelmente precisarás de ajuda. Se quiseres ir ter com os orcs ao Sul, ou procurar diretamente uma tribo de elfos a Sudoeste daqui ou seguir outro curso de ação, fica a teu critério. Mas, tão logo encontres a jóia, deves me devolver, caso contrário, ela acabará por te corromper, tornando-te inútil para mim. E sabes bem o que acontecerá contigo se te tornares inútil a mim.

Ele terminar de falar, colocando o talo da maçã suavemente na mesa e olhando severamente para Ailhiet. Ele então se dissipa suavemente como se fosse uma imagem na neblina, quase dando uma impressão de que nunca esteve ali. Deixando o talo de maçã como único vestígio de sua estadia.

- S-sei, mas é claro meu senhor.

Faço uma ultima reverência, tentando não encontrar o rígido olhar de meu mestre. Quase desabo quando ele se esvai, mas me refaço, por que preciso ter a cabeça no lugar, e por que não tenho certeza de já estar sozinha.

Penso que devo primeiro investigar o local mais próximo: as terras a sudoeste devem ser mais próximas que a ilha dos orcs ao sul, então é para lá que devo me dirigir. Se a área indicada fica a sudoeste, deve ser próxima de Sauvons. Além de um porto seguro, a cidade deve me prover com informações.

- Então está decidido. Vou para Sauvons, investigar sobre animais agindo estranho nas redondezas. De fato é possível que o rubi de sangue tenha algo com a ver com isso. Mas antes, se vou precisar de gente habilidosa comigo, é melhor cuidar do recrutamento.

Ao invés de deixar a cidade às pressas, produzo um belo anúncio, compondo-o com minha caligrafia e iluminura. Em minha experiência, qualquer coisa parecida com um édito real chama bastante atenção numa taverna. Caso o resultado não me pareça satisfatório, recomeço a confecção do anúncio.

Teste de Caligrafia (NH 11) 

Leon Lacerda efetuou 3 lançamento(s) de dados D6 :

6 , 2 , 6

Teste de Iluminura (NH 11) 

Leon Lacerda efetuou 3 lançamento(s) de dados D6 :

2 , 2 , 4

O conteúdo deve ser algo como:

Citação :

Recruta-se pessoas habilidosas para uma investigação nos arredores de Sauvons. O trabalho talvez envolva riscos, por isso, peço que se candidatem apenas aqueles mais corajosos, capazes de se garantir. Interessados devem encontrar-me neste local no dia x (amanhã) ao pôr do sol.

Teste de Lábia (NH 13) 

Leon Lacerda efetuou 3 lançamento(s) de dados D6 :

6 , 1 , 6

Assim que finalizar o anúncio, vou pendurá-lo na taverna mais movimentada da cidade. Depois me dirijo ao porto para agendar minha partida para Isle Entelle. Caso tudo corra sem interrupções, me preparo para partir de Ansonne o mais próximo de amanhã à noite. Depois, é claro, de averiguar algum candidato que tenha aparecido na hora marcada, na taverna onde pus o anúncio.

Teste de Caligrafia (NH 11) 

Leon Lacerda efetuou 3 lançamento(s) de dados D6 :

3 , 2 , 4

Teste de Iluminura (NH 11) 

Leon Lacerda efetuou 3 lançamento(s) de dados D6 :

4 , 1 , 4

Na hora que você vai se sentar para fazer o anúncio, você vê que há um mapa na cadeira onde ele tinha sentado.

Depois de dar uma boa olhada no mapa (ou antes, ou nem olha, tu decides), tu sentas e produzes um belo anúncio digno de um édito real.

Dou uma boa olhada no mapa assim que o vejo...

- Então os elfos estão a sudoeste, no mesmo lugar onde os animais estão ficando agressivos. Tudo indica que o artefato roubado está mesmo nessa região. Mas ainda é uma grande área para cobrir. Além de encontrá-lo, terei ainda que arrancá-lo dos elfos. Prevejo que não será fácil.

Penso em voz alta, antes de dirigir-me até a taverna com o anúncio e pôr em ação todo o meu plano.

O tempo voou enquanto você preparava o cartaz e fazia planos. O sol está a pino, os sinos da igreja batem o meio dia e a fome aperta.

Sigo até a taverna conforme o plano. Tudo o que meu apetite de meio dia faz é que eu caminhe ainda mais depressa, já que para onde vou eles servem comida. Assim que chego à taverna, penduro o anúncio no lugar mais visível possível. Meu excesso de confiança e carisma feminino me fazem crer na irrelevância de uma autorização. Mesmo assim, antes que alguém possa queixar-se de minha iniciativa, me dirijo ao balcão para me mostrar como cliente.

- Por favor taverneiro, gostaria de uma refeição. Peixe, batata, um bom vinho, e o que mais você tiver aí. Espero que meu cartaz não seja um problema, pois amanhã mesmo pretendo recolhê-lo.

Digo sorridente. Estou mesmo com fome, e penso que vir aqui foi uma boa forma de unir o útil ao agradável.

Ele fica calado e lhe serve o pedido.

Depois ele levanta o olho e olha o cartaz.
-Cartaz bonito.

Logo depois, chega um homem branco de olhos negros, cabelos castanhos e encaracolados, vestes de viajante, desgastadas pelo uso e senta ao seu lado. Ele põe o panfleto, que você acabou de colocar no mural, enrolado sobre a mesa e a indaga:

- Olá. Vi que você colocou este anúncio no mural, pode me contar quem é o homem responsável por ele? Estou interessado no serviço, mas fiquei curioso. Não é comum um documento tão bem trabalhado circular numa espelunca como esta...

- Eu mesma fiz o cartaz, viajante. Fico feliz que seja do seu agrado.

Respondo, antes de provar o vinho servido pelo taverneiro. Ainda concentrada na caneca sobre o balcão, vejo o viajante em minha visão periférica, sem me virar.

- Mas em parte você está certo, existe um homem por trás disto.

Digo, apontando para o cartaz. Só nesse momento, então, me viro para meu interlocutor.

- Pois essa missão é um favor que faço a um velho amigo. Muito pode vir dela, por isso, o que quer que esteja buscando, riqueza, glória ou redenção, acredito que irá encontrar. Não tenho meios de pagá-lo diretamente, mas irei cobrir os custos da viagem, se puder. O resto você já sabe, o caminho é longo até Sauvons, e podem haver perigos. Tudo isso dito, as condições ainda te satisfazem?

Caso, para minha surpresa, o viajante responda que sim, eu continuo...

- Ótimo! Falarei em breve sobre os detalhes de nossa missão, este não é o melhor lugar para tratar do assunto. Mas diga-me, como se chama - e quais suas habilidades? O que sabe fazer?

Digo-lhe meu nome também, caso pergunte.

- Me chamo Ailhiet.

O que eu faço, por sua vez, fica visível em minha aparência. Especialmente por que carrego um cajado, mas raramente alguém ousa fazer comentários.

Ele responde:
- Riqueza, glória e redenção são as aspirações de todas as pessoas no mundo. Alguns mais do que outros, certamente. Estou interessado em tal demanda, minha senhora, principalmente quando se trata de uma viagem com companhia tão agradável, mas me sentiria melhor sabendo do que o serviço trata. Para quem será o trabalho e o que precisará ser feito? Responda-me e minha espada será sua para realizar o favor para seu amigo e claro, para que eu seja devidamente recompensado.

Você responde:
- Ótimo! Falarei em breve sobre os detalhes de nossa missão, este não é o melhor lugar para tratar do assunto. Mas diga-me, como se chama - e quais suas habilidades? O que sabe fazer?

Ele responde:
- Eu me chamo Saint-James, minha senhora. Sou um homem de armas.

Você responde:
- Me chamo Ailhiet.

Estendo minha mão direita com a palma para baixo, deixando a cargo de Saint-James beijá-la ou apertá-la.

- Agora que não somos mais estranhos... Já almoçou, Saint-James?

Se ele responder que não, peço ao taverneiro para servir-lhe algo por minha conta. Para o caso de eu não conseguir pagar outras despesas depois, quero que ele se sinta em débito. Desse modo espero que ele sinta culpa em deixar a missão.

Saint-James apanha a mão de Ailhiet, faz uma reverência mas não a beija:
-Na verdade eu ia fazer isto agora, minha senhora. Posso lhe acompanhar?

- Certamente meu caro, só se não quiser fazer-me desfeita. Se vamos viajar tantos quilômetros, não devem haver formalismos entre nós. Por favor, taverneiro...

Digo sorridente a Saint-James e por ultimo ao taverneiro, para que sirva-lhe uma refeição. Depois dos primeiros minutos sentados lado a lado, em que saciamos nossa fome mais premente, resolvo puxar algum assunto.

- Então, Saint-James... Você não condiz com este lugar, não é? Qual sua história, o que o trouxe a Ansonne?

Ouço com atenção a resposta do auto proclamado homem de armas, tento descobrir se ele é mesmo de confiança. Nunca é demais se precaver com estranhos, mesmo não sendo eu o que se pode chamar de donzela indefesa.

Eles responde:
- Mesmo? Gentileza sua... Eu que fico surpreso por uma dama tão bela vir comer o que chamam de cozido nessa espelunca.

(Saint-James, apesar de razoavelmente atraente, se veste rusticamente e tem certo desleixo com a aparência, faz o tipo "bonito desarrumado"... Ou seja: visualmente não contrasta com o lugar, mas o modo como esta tratando Ailhiet, sim. Pois está usando um certo trato social. Nada que justificaria uma modificação de teste de reação, em termos mecânicos, apenas contextualizando aqui).

Ele continua:
- Eu viajava com um primo jesuíta, tivemos problemas no navio em que viajávamos e então eu cheguei a ilha. Desde então eu moro em Ansonne, trabalhando como espada de aluguel. Até agora não ganhei nenhuma riqueza, mas consigo me manter vivo.

- Jesuíta é? Não sei de nada mais importante que espalhar a palavra de Deus para quem não a conhece. Deve se orgulhar de seu primo.

Faço uma pausa e continuo...

- Por coincidência, fui criada numa missão jesuíta não muito longe daqui. Não optei por seguir aquela vida religiosa e disciplinada, mas aprendi muito com os missionários.

Quando digo "aprendi muito", faço alusão ao meu cajado, que por sua vez quer dizer "mágica".

Fico intimamente satisfeita por Saint-James ter um primo jesuíta. Me leva a crer que ele não tenha a desconfiança da maioria em relação à Companhia de Jesus, permitindo-me dizer mais tarde, como fachada, que nossos assuntos em Sauvons decorrem de um favor a um missionário. Isso por que minha longa (e real) vivência entre os jesuítas deve me prevenir de entrar em contradição.

Compelida por força maior, serei mais uma vez forçada a misturar verdades com mentiras, tal qual o diabo - ou sua servente que sou. Depois poderei buscar conforto em meus exercícios espirituais, rezando pelo perdão de nosso senhor por minha alma pecadora - como tantas vezes fiz e por pecados bem maiores.

- Já que mencionou riquezas, aqueles marcos de ouro não vão cair sozinhos em nossos bolsas. De minha parte zarpamos agora, ou o mais breve possível, o que acha?

Ao final do almoço, pago as refeições e convido Saint-James a acompanhar-me até o porto.

Ele concorda silenciosamente e a segue.